Falso Cooperado e o Vínculo de Emprego

03/01/2023

No post anterior eu falei sobre a fraude por trás do questionamento PJ x CLT. No de hoje falarei sobre a fraude do falso cooperado.

Eu costumo dizer que o sonho das empresas é poder ter empregados sem direitos, pagando apenas o salário seco, sem FGTS, INSS, férias, 13º, adicional noturno, horas extras, etc. Como a lei não permite isso, muitas empresas criam artifícios para dizer que você trabalha, mas não é empregado.

Uma dessas soluções mirabolantes é a contratação de mão-de-obra através de cooperativas de trabalho. Diz-se que você é cooperado, de acordo com a Lei 5764/71 e, por isso, deve receber apenas pela produção que teve como tal, sem qualquer direito trabalhista típico de um empregado.

Todavia, quando entro um pouquinho mais fundo na análise, vejo que você não integralizou quotas, não tem direito a voto, não participa das assembleias, não tem liberdade de horário, não escolhe como o trabalho vai ser executado, e o pior de tudo, recebe valor fixo de produção, tudo ao contrário do que é ser verdadeiramente um cooperado.

Pensa comigo: será mesmo que é possível um cooperado produzir exatamente o mesmo tanto, meses seguidos, por anos, a ponto de todo mês receber valor fixo de produção?

Claro que não! Pagamento de produção em valores fixos por mês é salário disfarçado. E salário é um direito típico do empregado.

A admissão do empregado como cooperado é uma forma parecida com a pejotização. Na pejotização, a empresa exige que o empregado abra um CNPJ para receber salários. No caso aqui comentado, a cooperativa exige que o trabalhador seja um "cooperado" para receber sua produção fixa. Ambas tem a intenção de fraudar a lei e retirar direitos dos trabalhadores.

O que precisa ser observado é se, na prática, você trabalha como empregado, mesmo que esse vínculo de emprego esteja disfarçado. De acordo com a CLT, para ser considerado empregado, seu trabalho tem que ser:

  • Pessoal: você presta seus serviços pessoalmente, não pode mandar outra pessoa trabalhar em seu lugar.
  • Subordinado: o empregador faz exigências, dá ordens, feedbacks, e aplica punições.
  • Não eventual: você trabalha com freqüência e sabe os dias que irá trabalhar.
  • Remunerado: Você recebe salário pelo trabalho que faz.

Se você trabalha nessas condições, preenchendo esses requisitos, então você é empregado, mesmo que tenha sido admitido como cooperado.

A verdade é que, se há fraude, é possível reconhecer o vínculo empregatício com a cooperativa e, via de consequência, exigir dela os direitos trabalhistas.

Várias são as decisões na justiça dando ganho de causa para os trabalhadores.

Em 2017 o Tribunal Regional do Trabalho do Mato Grosso reconheceu uma falsa cooperada como empregada (Processo nº 001712-90.2016.5.23.0101).

Em março de 2022 o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo também reconheceu o vínculo empregatício de um trabalhador com uma cooperativa, com a seguinte fundamentação:

De nada adianta o trabalhador assinar papéis onde consta a nomenclatura da cooperativa, se na prática do seu dia a dia, as atividades prestadas seguem todas as características da relação de emprego celetista. A cooperativa, na verdade, é mero subterfúgio para descumprir a legislação do trabalho e obter mão de obra barata e precarizada.

(TRT-2 10002280620205020024 SP, Relator: MARIA ELIZABETH MOSTARDO NUNES, 12ª Turma - Cadeira 5, Data de Publicação: 03/03/2022)

Citei essas duas, apenas para ficar em alguns exemplos.

Mas veja bem, cada caso deve ser analisado de forma individualizada. Para você ser considerado empregado, é preciso que todos os requisitos previstos em lei e citados nesse texto estejam presentes ao mesmo tempo. Se faltar um, você não é empregado.

Importante dizer também que não é toda cooperativa que foi constituída para cometer fraudes trabalhistas. Muitas vezes a cooperativa é regular, segue adequadamente seu Estatuto Social, e o trabalhador adere a ela voluntariamente, integralizando as quotas, e contribuindo com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum a todos.

Um bom exemplo disso é a Uniodonto. A cooperativa vende os planos odontológicos e os clientes realizam os serviços, escolhendo livremente algum cooperado da rede, os quais, inclusive, atendem em seus próprios consultórios, fora da sede da cooperativa, sem subordinação a essa. Impossível dizer, nesse caso, que haja fraude trabalhista, o que afasta também a existência de vínculo empregatício entre o cooperado e a cooperativa.

Se você trabalha em cooperativa e tem dúvidas se tem direitos trabalhistas ou não, o melhor a ser feito é consultar um advogado de sua confiança. Esse advogado irá avaliar seu caso de forma detalhada e individualizada e, assim, verificar qual a sua real situação, chances e riscos no processo, etc.

Caso você queira conversar comigo a respeito, aqui do lado tem um botãozinho do whatsapp, só clicar nele e falar diretamente comigo.

Ah, e não esqueça de deixar seu comentário, sua curtida, e compartilhar o texto com amigos, conhecidos e familiares, assim como ajudou você, poderá ajudar outros trabalhadores e trabalhadoras.

Seja o primeiro a ler. Cadastre seu email

* indicates required