O Que Causa Dano Moral no Trabalho e Quais os Valores das Indenizações
I - O QUE É DANO MORAL?
O
empregador, quando contrata um funcionário, não o está comprando, muito menos o
comprando por inteiro. O que o empregador "compra", na verdade, é a mão-de-obra,
a força de trabalho do empregado, o que não lhe garante direitos absolutos
sobre o trabalhador.
Há limites que são estabelecidos pela lei e que devem ser observados. Há limites, por exemplo, para o número de horas extras, de peso que o empregado pode carregar, de tempo para assinar a carteira de trabalho, na forma como o empregado deve ser tratado pelo empregador e pelos gerentes, supervisores, encarregados, do meio ambiente onde o empregado trabalha, na forma como as punições são aplicadas, etc.
A grande verdade é que a conduta do empregador encontra limites na dignidade do trabalhador, diga-se de passagem, tão importante que a Constituição Federal a classificou como fundamento do Estado Democrático de Direito.
Portanto, toda vez que o empregador praticar ou permitir que se pratique uma conduta contrária à lei, chamada de ato ilícito, e isso atingir a dignidade do trabalhador, estará caracterizado o dano moral trabalhista.
Pode-se dizer, pois, que dano moral trabalhista é a ofensa à dignidade do empregado, que lhe causa sofrimento psicológico acima daquele normal do dia-a-dia, chamado de mero de aborrecimento, provocado por uma conduta contrária à lei praticada pelo empregador.
Yussef Said Cahali[1] descreve que
"tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral"
Para ficar mais fácil, veja alguns exemplos que causam dano moral no trabalho:
- Empregado sem carteira de trabalho assinada
- não existência de banheiros no local de trabalho, ou a proibição de seu uso
- jornada excessiva
- xigamentos, humilhações, desrespeito, rigor excessivo, ameaças constantes de demissão
- exposição do empregado a situações que causam vexame, vergonha, constrangimento
- assédio moral e/ou sexual
- imposição de metas impossíveis de serem alcançadas
- doença adquirida por causa do trabalho (doença ocupacional) ou o acidente de trabalho, desde que haja culpa do empregador ou que a atividade implique em risco acima do normal
- acusações sabidamente falsas de prática de crime
- anotação na carteira de trabalho de informações desabonadoras, ou que indiquem que tal anotação ocorreu por ordem judicial
- inclusão do empregado em "lista negra" por ter entrado na justiça
- fornecer para outras empresas informações com a finalidade de impedir que o empregado seja contratado
- colocar apelidos no empregado que afetem sua honra ou sua moral.
- Deixar de proporcionar trabalho para o empregado, obrigando-o a comparecer na empresa, mas proibindo-o de exercer qualquer atividade
- Revista íntima e pessoal no empregado
- Uso não autorizado do nome e/ou imagem do empregado para fins comerciais
- Exigência para que mulher apresente teste de gravidez antes de ser contratada, ou proibição expressa para que engravide
- Obrigação de que o empregado professe a mesma fé que o empregador
Apesar de ter sido uma quantidade considerável de exemplos, é importante destacar que há inúmeras outras possibilidades de caracterização do dano moral trabalhista, devendo os casos ser avaliados individualmente por um profissional da área.
II - QUAL O VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL TRABALHISTA?
A lei 13.467/2017, chamada de Reforma Trabalhista, inseriu na CLT o art. 223-G, o qual criou uma tabela de valor do dano moral trabalhista. De acordo com essa lei, para as ofensas de natureza leve, a indenização deve ser fixada em até 3 vezes o último salário do ofendido, para as de natureza média, até 5 vezes o último salário, para as de natureza grave, até 20 vezes, e para as de natureza gravíssima, até 50 vezes o valor do último salário.
Pegando o salário mínimo vigente na data de publicação desse artigo (14/07/2020 - R$ 1.045,00), teremos a seguinte tabela:
Dano Leve Até 3.135,00
Dano Médio Até R$ 5.225,00
Dano Grave Até R$ 20.900,00
Dano Gravíssimo Até R$ 52.250,00
É importante não se esquecer que essa tabela é somente exemplificativa, porque a base de cálculo deve ser o último salário contratual do ofendido. Logo, quanto mais alto for o salário do empregado, maior será sua indenização.
E aqui já é importante destacar uma grave situação, que é a injusta fixação de indenização em valores diferentes, para pessoas que estejam exatamente na mesma situação.
Veja um exemplo: um empresa tem 2 funcionários, um com 5 anos de casa, com salário de R$ 3.500,00 e o outro na experiência, com salário mínimo. Por ausência de manutenção em uma máquina, há um vazamento de gás e ocorre uma explosão, provocando queimaduras graves e proporcionalmente iguais em ambos os funcionários.
Partindo do pressuposto de que o juiz entenderá o dano como grave, o mais velho de casa irá receber até 20 vezes seu salário, ou seja, até R$ 70.000,00, e o mais novo até R$ 20.900,00, o que nos leva ao equivocado entendimento de que a dor, a angústia, as seqüelas, o tempo hospitalizado, a necessidade de se fazer as tão famosas raspagens, a frustração, o sofrimento, etc, são mais intensos em quem recebe salário maior, e por isso essa pessoa merece ser melhor indenizada.
Ora, essa é uma distinção que não se justifica em si mesma. O juiz tem que ter liberdade para, analisando os critérios estabelecidos por lei, fixar o valor da indenização de acordo o grau de culpa do ofensor e a gravidade da ofensa, sem estar limitado aos tetos estabelecidos por lei, os quais, como já dito, criam injustiças.
Da maneira como a reforma instituiu essa tabela, a vida de um trabalhador que ganha salário mínimo vale, no máximo, R$ 52.250,00. Será mesmo que isso é fazer justiça? Será que a família de um empregado que perdeu a vida em um acidente de trabalho, por culpa de uma empresa multinacional milionária, terá sido justamente indenizada, recebendo apenas esse valor?
Essa ideia de tabelar o dano moral já havia sido implementada pela Lei de Imprensa, e foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. A parte da CLT que instituiu essa tabela também está sendo questionada no STF, e acredito que o resultado do julgamento será o mesmo.
Aliás, a inconstitucionalidade do dispositivo legal é tão clara que a ação que a questiona no STF foi movida pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA, e já consta com manifestação da Procuradoria Geral da República - PGR, pela procedência do pedido, veja:
"A fixação legal, prévia e abstrata, de limites máximos de valores de indenizações por dano extrapatrimonial afronta o princípio da reparação integral do dano (Constituição, art. 5º-V) sempre que, nos casos concretos, esses valores não forem bastantes para conferir ampla reparação do prejuízo, proporcional ao agravo e à capacidade financeira do infrator."
Ao meu ver, o melhor caminho é que, ao fixar o valor da indenização, o juiz analise a natureza do bem jurídico tutelado, a intensidade do sofrimento ou da humilhação, a possibilidade de superação física ou psicológica, os reflexos pessoais e sociais dos danos sofridos, a extensão e a duração dos efeitos da ofensa, as condições em que a ofensa ocorreu, o grau de culpa do empregador, se houve retratação espontânea e se houve esforço para minimizar a ofensa, conforme prevê o art. 223-G, I a XII, da CLT, para então, chegar no justo valor devido para cada caso concreto, sem ficar vinculado aos tetos já mencionados nesse artigo.
Agradeço por ter lido até o final. É um prazer escrever pra você.
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[1] CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3 ed., São Paulo, RT, 2005, pg. 22-23.